A Constituição federal e a Lei 8.142/90 definem a participação da comunidade como
condição necessária para o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Tal definição
constitucional surge no processo de l uta pela democratização do país e pela universalização
dos direitos sociais, entre eles, o direito à saúde. Todavia, esse processo de democratização
tem significado mais a adoção de procedimentos democráticos para organização do sistema
político do que uma efetiva democratização das relações sociais pautadas pelos valores
democráticos de igualdade e justiça social. No Brasil, a relação entre Estado e sociedade tem
sido mediada por uma cultura política marcada pelo autoritarismo, patrimonialismo,
clientelismo e o favor. Com o processo de democratização, na década de 1980, emergem
elementos de uma nova cultura política adjetivada como democrática – orientada pelos
valores da autonomia, igualdade, solidariedade e justiça – que passa a coexistir com a velha
cultura. O objetivo geral deste estudo é analisar as práticas de participação presentes no
Conselho Municipal de Saúde (CMS) de Fortaleza, no período de 1997-2005, e sua relação
com a cultura política local. Para tanto partiu-se do principal pressuposto teórico: as práticas
de participação exercidas nos conselhos de saúde inauguram uma nova institucionalidade que
inclui novos sujeitos sociais – os usuários – na esfera pública, com as quais o processo de
democratização amplia essa esfera, criando visibilidade para identificar o confronto entre a
cultura política tradicional e a cultura política democrática. As técnicas de pesquisa utilizadas
foram: a análise documental, a observação participante e a entrevista semi-estruturada. A
partir das diferentes evidências observadas no material empírico, identificou -se na análise dos
dados a predominância da cultura polít ica tradicional do autoritarismo e cooptação nas
relações entre o poder público municipal e os representantes da sociedade civil ; e entre os
conselheiros a tensão se manifestava na não-observância dos procedimentos democráticos,
como eleições periódicas, respeito à lei e ao regimento que regula o funcionamento do CMS e
no encaminhamento dos conflitos e disputas políticas. Quanto às práticas de participação,
manifestaram-se de forma contraditória e dialética em ações caracterizadas pela crítica,
denúncia, reivindicação, com poucas ações propositivas e na maioria das vezes tendo seu
poder deliberativo desconsiderado pelo gestor. A condução política do conselho muitas vezes
foi questionada, ocasionando crises de hegemonia e gerando conflitos e disputas pelo poder.
A partir da análise desses conflitos e disputas políticas entre os grupos no interior do
Conselho, tornou-se possível realizar uma leitura metódica ace rca do confronto entre a cultura
política tradicional e a democrática no CMS, constatando-se a predominância da primeira
sobre a segunda. Por fim verificou-se o protagonismo do Ministério Público na resolução dos
conflitos, em detrimento da força do melhor argumento. Em que pese a recorrente tutela do
Ministério Público, foi pavimentado um caminho de “resistências”, ainda que minoritárias ,
contra a cultura política tradicional , cujas práticas de participação apresentam elementos
constituintes para a sua transformação.
Palavras-chave: conselhos de saúde, participação política, democracia, cultura política,