A Estratégia Saúde da Família (ESF) tem se mostrado como uma aposta viável para a
reorientação do modelo de atenção à saúde no Brasil. Na configuração das Redes de Atenção
à Saúde (RAS), a sugestão é que a ESF possa assumir as funções de coordenar o cuidado e
ordenar as demais redes temáticas, assumindo o papel de realizar a gestão do cuidado integral.
A multidimensionalidade envolvida na concretização da gestão do cuidado implica
investimentos em dispositivos de cuidado que a viabilize. Portanto, processos sinérgicos que
qualifiquem a produção do cuidado e as práticas de coordenação do cuidado, alicerçadas na
perspectiva da integralidade, envolvendo diversos sujeitos, favorecem a tarefa das equipes da
ESF de realizar a gestão do cuidado em rede. Todavia, em diversos cenários esse processo não
se concretiza, em virtude de tensionamentos provocados pela disputa hegemônica de outros
modelos de atenção e problemáticas que atravessam o processo de trabalho das equipes.
Partindo desses pressupostos, o presente estudo objetivou avaliar a gestão do cuidado em um
município cearense de grande porte, envolvendo trabalhadores de saúde, lideranças
comunitárias e equipe gestora. Para tanto, realizou-se uma avaliação participativa, cuja
“bricolagem metodológica” foi alicerçada nos referenciais da Avaliação de Quarta Geração e
da Hermenêutica Filosófica de Gadamer. A pesquisa de campo se deu entre os meses de
janeiro e outubro de 2018, no município de Maracanaú (CE), contemplando três grupos de
interesse que compuseram um total de 49 sujeitos: 38 trabalhadores de saúde, 03 lideranças
comunitárias e 08 integrantes da equipe gestora. Foram utilizadas diversas técnicas de
“produção negociada de evidências” ao longo da trilha avaliativa, organizada em quatro
momentos: 1º Imersão no cenário e construção das pactuações iniciais, com aproximadamente
70h de observação e registros em Diário de Itinerância; 2º Mapeamento dos interessados e
construção compartilhada das inquietações propositivas, com entrevistas coletivas e
construção da Matriz “FOFA” sobre a rede de cuidados com trabalhadores; e entrevista em
profundidade com lideranças comunitárias e integrantes da equipe gestora; 3º Escambo
hermenêutico, realizando-se fertilização cruzada das reivindicações, preocupações e questões
dos grupos de interesse, levando em consideração as dimensões profissional, organizacional e
sistêmica da gestão do cuidado; e 4º Construção de oficinas dialógicas de negociação e
sistematização dos relatos narrativo-criativos, com o suporte de uma “apoiadora
metodológica” e a elaboração de produtos-síntese. Pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética
em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará, com Parecer nº 2.448.058. Evidenciaram-se
aspectos favoráveis e desfavoráveis, envolvendo desde a construção de sentidos e os desafios
que atravessam a relação entre trabalhadores de saúde e usuários; passando pelas
potencialidades e desafios relacionados à organização interna do processo de trabalho no
contexto da ESF; e contemplando ainda os múltiplos olhares sobre a estrutura operacional da
RAS do município. As tecituras das redes de cuidado priorizadas pelos trabalhadores de saúde
da ESF como condições traçadoras (atenção psicossocial; atenção domiciliar; e atenção às
condições crônicas prevalentes – diabetes e hipertensão) ilustraram bem a complexidade
envolvida na desafiante tarefa de “gestar” o cuidado em rede de modo corresponsável.
Considera-se que os processos avaliativos que levam em consideração as múltiplas dimensões
da gestão do cuidado se mostram mais ricos, assertivos e propositivos, à medida que investem
na “polivocidade” e na participação ativa dos diversos sujeitos imbricados no processo.
Palavras-chave: Estratégia Saúde da Família. Avaliação de Serviços de Saúde. Gestão em
Saúde. Integralidade em Saúde. Hermenêutica.9
